quarta-feira, 30 de outubro de 2013

RAMON GARCIA Y GARCIA

Difícil falar sobre alguém tão próximo, amigo eterno e um irmão como aquele espanhol esquentado.
Quando entrei para o Diário de Minas (alguns meses depois que o golpe de 64 fechou
a sucursal mineira da Última Hora), havia na editoria de Esportes o editor Alberto Decat e
dois repórteres: o veterano Marrocos Filho e um quase da minha idade de nome Kleber de Almeida.
Soube que um terceiro repórter cobria um torneio em Juiz de Fora, um tal Ramon Garcia y Garcia.
Dias depois encostou um desconhecido à minha mesa,também da minha idade:
“Você é o novo foca? Topa uma cerveja depois do fechamento?”
Ao topar, não sabia que selava uma amizade para o resto da vida. Kleber e eu viemos
para o Jornal da Tarde, a convite do Mino Carta, ainda em 1965.
Ramon veio algum tempo depois e conquistou a redação com seu jeito moleque, aquela gargalhada de criança.
Logo ele também abandonou a rigidez dos leads de Fraser Bond e incorporou a criatividade
daquela nova escola de jornalismo.
Éramos alguns dos mais jovens naquele primeiro time do jornal, entre os 19 e os 21 anos,
a quem Mino chamava de “meus meninos”. Ramon se destacava pela fidelidade: que não ousassem
falar mais grosso com alguns de seus amigos, partia para o “vamos resolver isso lá embaixo”.
Ficou infeliz quando se viu obrigado – pelo casamento – a abandonar a boemia, sua natureza.
Como profissional, foi um repórter de muito faro e texto sensível. Uma de suas matérias
repercutiu até fora do País: o fim de Mané Garrincha.Gordo, jogando num time amador no
interior de Goiás em troca de umas biritas. Um texto sem adjetivos – aliás, dispensáveis
pela crueza do momento.
Depois do JT foi convidado a trabalhar na Abril – primeiro, na Placar -, e zanzou pelo País,
de O Globo no Rio à assessoria de Imprensa da Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia, em Salvador.
Seu último emprego foi no Hoje em Dia, em Belo Horizonte. Lá nos encontrávamos de vez em quando,
ele com seu suco sem açúcar, já abatido por uma violenta diabete.
Uma das últimas vezes em que o vi foi no primeiro almoço do JT para Sempre, em 2006. Meio de longe, não o reconheci.
Alguém me salvou com um “olha o Ramon”. Muito magro, conservava aquele sorriso irônico.
Sabia de tudo, o espanhol, até de sua fraqueza. “Estou com medo, vou operar o coração”.
Foi a última frase que ouvi dele, pelo telefone, uma semana antes de ser internado.
Luciano Ornelas

sexta-feira, 26 de julho de 2013

O Brasil no palco do circo dos horrores

A economia brasileira deslizou bem devagar por uma pista de gelo em 2012 ao ritmo desanimador de 1% do PIB ou pouquinho mais. Terá de dar um impulso forte para sair da quase estagnação e chegar ao fim deste ano patinando aos 3%. Ainda assim continuará em penúltimo lugar na América Latina (o lanterninha é ó ganha do Paraguai) e num dos últimos entre os emergentes do Planeta. A inflação, por sua vez, entrou numa pista de corrida livre, sem obstáculos. Previsões sombrias apontam para um índice acima da meta oficial de 6,5%, número além dos padrões de países mais sérios e, por consequência, mais ricos. O governo não poderá contar mais uma vez com a indústria nesse esforço de recuperação do PIB. Em 2012 já houve uma retração de 2,7%, apesar dos incentivos fiscais. A redução de IPI para carros e linha branca e a desoneração da folha serviram apenas para baixar estoques, mas não para ampliar a capacidade produtiva. Donde se conclui que houve apenas mais um remendo para alguns poucos setores da indústria e não medidas sensatas para incentivar a produção. O governo não percebeu ainda que é bem mais fácil trabalhar com tecido novo do que inventar mais costura em colcha de retalhos esfarrapada. Enquanto isso, contempla - se a entrada em grande escala de produtos estrangeiros a preços vis, a maioria made in China. Algumas autoridades ainda insistem em debitar os péssimos números à crise internacional, justificativa que não pega mais, pois outros países afetados já venceram a pior fase e hoje crescem mais do que o Brasil. Na verdade, o que falta é coragem (ou humildade) para reconhecer os motivos que emperram o desenvolvimento - e estão bem na nossa frente. Basta abrir os olhos. Pois é difícil um país crescer tão enrolado num monstrengo de legislação, com uma burocracia semelhante a um circo dos horrores, com essa teia tributária que impõe à cadeia produtiva um arsenal de obrigações malucas e anacrônicas, que torna uma aventura o ato empreender, e uma justiça trabalhista que vê em cada empresário um criminoso e em cada trabalhador um anjo. Essa balança só pende de um lado. Não deveria ser assim: este é um País de grandes riquezas naturais, com um povo pacato, não enfrentamos as revoluções costumeiras como lá fora. Portanto, em paz, deveríamos caminhar para frente, mas não funciona. Há de se fazer reformas, como a tributária ou a política – afinal, não são tão difíceis, não é nada do outro mundo. Só que nada acontece, fica sempre na intenção. As grandes mentes brasileiras estão espalhadas pelas maiores empresas do mundo todo; ou seja, inteligência nós temos, o que falta é vontade política para destravar a Nação. É preciso investimento interno e externo para girar a roda da economia, mas é difícil encontrar hoje quem queira investir com tamanha insegurança jurídica. Qualquer empresário de fora que procurar entender direito como funciona o Brasil, dirá logo: “Não, obrigado, não vale a pena”. E quem está aqui só fica porque já investiu muito dinheiro. E como se cria esse ambiente quase intolerável para os negócios? Ocorre que a mente do brasileiro é muito fértil: enquanto você lê este artigo, nossos criadores de leis estão pensando em como evitar algum crime fiscal ou um rombo. Estão inventando algum artigo, algum parágrafo, alguma coisa que eles acham que pode ser irregular. Enfim, parte-se do princípio de que somos todos absolutamente desonestos. Não vamos criar uma empresa para crescer, gerar empregos e ter lucro, como em qualquer lugar decente do mundo. Vamos empreender unicamente para enganar o Fisco, segundo a mente tortuosa dos tecnocratas. Para nós, profissionais de Ciências Contábeis, as coisas vão além do labirinto dos horrores: em 23 anos foram editadas mais de 3,7 milhões de normas tributárias no Brasil. Atualmente uma empresa deve cumprir aproximadamente 3.400 normas, o que equivale a 5,9 quilômetros de regulamentações. É o medonho casamento da insanidade com o maquiavelismo. Para se ter uma ideia dessa marcha da insensatez: entre as normas federais, dos 26 Estados e de mais de cinco mil municípios, são em média 35 regulamentações tributárias por dia útil. Ou seja, o profissional contábil faz um trabalho hoje dentro da lei e amanhã já pode estar errado. E, para completar, o governo federal vai lançar o Sped (Sistema Público de Escrituração Digital), mais uma dor de cabeça para os profissionais da área. Esse sistema foi sem dúvida um divisor de água, um desafio no campo contábil para as empresas e, consequentemente, para os contadores. Vai realmente trazer transparência, mas o governo o implantou de maneira equivocada. Há cinco anos foi feito um piloto e apenas grandes corporações foram consultadas. Para elas, a digitalização das informações foi importante, porque tinham um grande custo com a guarda de documentos. O problema é que mais de 80% das empresas do País são de médio e pequeno porte e elas não foram consultadas nem informadas adequadamente das mudanças que o sistema traria em suas atividades. Imagine-se aí a falta de informação. Para coroar a loucura, o Sped não está 100% desenvolvido e testado. De qualquer maneira, se tudo der certo para o governo, podemos ter certeza de que tudo vai se complicar ainda mais para a atividade econômica brasileira. Afinal, este circo dos horrores faz questão de não encerrar seu espetáculo e baixar a lona. Luciano Ornelas é jornalista da GT Marketing e Comunicação