sexta-feira, 20 de abril de 2012

A vida é assim?

A VIDA É ASSIM? As olarias exploram o trabalho infantil nesta região, na fronteira de Mogi das Cruzes, Guararema e Santa Isabel, segundo comprovou a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Como se sabe, a exploração do trabalho infantil, em especial em locais insalubres como as olarias, violam todas as leis criadas com o objetivo de proteger as crianças. Nesse caso específico, está mais para trabalho escravo. Escreveu o menino: -- Meu trabalho na olaria é muito ruim, não dá para descansar e nem para brincar. O serviço é muito e no domingo não dá nem para brincar ou estudar. Os jornais publicaram que Carlos Henrique, de 9 anos, e seu irmão Luís Felipe, de 7, foram encontrados trabalhando em Santa Isabel. Os dois fecham e empilham sacos de tijolos. CHS pesa 25 quilos e maneja sacos com 12 quilos. Conta que recebe dois reais por 100 sacos lacrados, o que demora uma semana para fazer. Os dois trabalham com a família. César Augusto, de 12 anos, Aílton, de 14, e Edmílson, de 15, trabalham com a mãe numa olaria de Guararema. O pai trabalha numa fábrica próxima. Os garotos enchem as fôrmas de argila, desenformam e empilham os tijolos para secar e depois os colocam no forno. A família recebe seis reais por mil tijolos produzidos. A produção diária é de três mil tijolos. O milheiro de tijolos é vendido na região, sem frete, por cerca de 40 reais, publicou o jornal Diário de S. Paulo. Escreveu o menino: -- Nas aulas eu fico triste, a vida é assim, mas eu vou passar de ano. Eu gosto de tudo na escola, das aulas e das matérias. Mas quando vou embora tenho que trabalhar. Para a produção de tijolos é necessário que o terreno ofereça barro ou argila e lenha. O barro, retirado de cavas, geralmente é transportado em carrinho de mão, amassado com os pés ou ferramentas e colocado em fôrmas de madeira. O excesso é retirado com arcos de pau ou arame. Depois de secos - ficam de uma a duas semanas expostos ao sol - os tijolos são queimados em caieiras, fornos cavados em barrancos, de uma semana a dez dias. Algumas olarias possuem fornos de tijolos com paredes grossas e cobertura de telhas. Para amassar o barro usam pipas, construídas de madeira e movidas a animais que, amarrados, andam em círculos. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados informa que os meninos que trabalham nas olarias na região fazem de tudo um pouco. Bom negócio para os proprietários: crianças não têm Carteira de Trabalho, logo não recebem férias nem 13º salário, não custam um centavo sequer de encargos sociais. Mas produzem. Escreveu o menino: -- A escola é muito legal, tenho muitos amigos e não dá para viver trabalhando. Quando crescer eu vou ser um bom trabalhador. Vou em frente, ganhar meu dinheiro e comprar o arroz e o feijão e gostar dos meus filhos. O menino autor da carta, CASO, tem 12 anos e escreveu o texto para a escola. O professor percebeu a exploração e encaminhou em forma de denúncia para Brasília. A diretora da escola achou que o professor passou por cima da direção e lhe aplicou uma advertência. Afinal, a escola recebe uma ajuda da Prefeitura, não era bom jogar o nome da cidade na lama. Depois, o problema talvez nem seja de Guararema. O Conselho Tutelar de Guararema, que deveria zelar pelas crianças, acha que elas podem até morar na cidade, mas as olarias ficam em Santa Isabel ou Mogi das Cruzes. E então os Conselhos Tutelares passaram a examinar mapas cartográficos para saber com precisão qual a parte que lhes cabe nesse latifúndio. Como se a saúde e o futuro de meninos e meninas se limitassem a questão de fronteiras, um problema simplesmente geográfico. As crianças, por ora, não estão trabalhando. Foram retiradas estrategicamente pelos donos das olarias até que a poeira baixe. Alguém imagina que eles vão dispensar para sempre uma mão-de-obra boa e barata como essa? Como escreveu CASO, "nas aulas eu fico triste, mas a vida é assim". Donde se conclui que na cabeça dos proprietários das olarias, de honoráveis membros de Conselhos Tutelares, dirigentes de escola e burocratas municipais, muito provavelmente existe um pedaço de tijolo no lugar do cérebro. No tronco, outro pedaço ocupa o espaço do coração. (24/1/2003)

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Eu, Patrícia Martins, não sou jornalista, nem tenho esta pretensão. Sou formada em Administração de Empresas, com pós em Finanças e este ano concluo a licenciatura de Matemática.
Mas, como amo um jornalista, também amo ler e escrever. Tive esta ideia após conhecer os blogs de meus filhos.
Ainda tenho muito o que aprender desta ferramenta.

Abraços e até mais, por hoje encerro.







Uma montanha de dinheiro vai levar para fora do País uma serra do Complexo do Espinhaço e mais um pedaço do coração dos mineiros. É a continuação da história que vem desde a colonização, primeiro com a exploração de ouro e diamantes e se perpetuou depois com a fortuna gerada pela extração do minério de ferro, um dos principais itens da pauta de exportação do Brasil. A serra é a do Sapo, a 19 quilômetros de Conceição do Mato Dentro, junto à Serra do Cipó. Do outro lado fica Alvorada de Minas (3,6 mil habitantes). 
 
Conceição do Mato Dentro, porta de entrada do Circuito dos Diamantes. Ao fundo, a Serra da Ferrugem, extensão da Serra do Sapo: todas serão mineradas. - Luciano Ornelas
 
A invasão dos ingleses na cidade histórica de Minas Gerais (e parte importante do traçado da Estrada Real), a 167 quilômetros de Belo Horizonte, começou em 2008, quando a Anglo American assumiu 100% do projeto antes assim dividido: 51% do empresário Eike Batista, 49% da empresa inglesa, que comprou também a parte do brasileiro no maior mineroduto do mundo – 525 quilômetros de Conceição ao porto do Açu, no Rio de Janeiro. Criou assim a Unidade de Negócios Minério de Ferro do Brasil (Anglo Ferrous Brazil), o sistema Minas-Rio, maior investimento mundial da Anglo, que opera em 30 países.
 
Estão sendo investidos US$ 5 bilhões; por enquanto, instala-se apenas a usina de beneficiamento. A exploração do minério e o escoamento pelo mineroduto devem começar no segundo semestre de 2013. A capacidade de produção é de 26,5 milhões de toneladas anuais – e tudo para exportação, grande parte para a China. A qualidade do minério é alta  – premium (segundo descobriu a empresa de Eike Batista),  com teor de ferro acima de 67%, em uma reserva de 5,8 bilhões de toneladas  – mais de dois séculos para se esgotar, mantida a capacidade de produção atual. 
 
As obras da usina de beneficiamento: tiradas as impurezas, as polpas serão transportadas daí para o porto do Açu. - Paulo Arumaa/Divulgação
Futuro de ferro e ouro
 
Em apenas quatro anos, o empreendimento mudou inteiramente a vida de Conceição do Mato Dentro, município de 18 mil habitantes (11 mil na área urbana), que nos seus 310 anos sempre se sustentou do comércio, da agricultura de subsistência e do ecoturismo. A cidade está dividida entre os que levantam as mãos aos céus pela chegada do progresso e da riqueza; outros, com um olhar mais crítico, veem a cidade quase destruída, em grande parte pelo impacto da chegada da mineradora.
 
Alguns grupos – como a Associação Unidos por Conceição ou o Movimento pelas Serras e Águas de Minas – temem que a história e a tradição sejam engolidas pela poeira do minério. Temem, enfim, que Conceição se transforme em uma Itabira, a 195 quilômetros dali e também explorada por mineradoras. É a terra do poeta Carlos Drummond de Andrade, para quem a cidade virou apenas uma fotografia na parede. Como lamentou em seu poema "Confidência do Itabirano": 
 
É aí que se vai um pedaço do coração. Que o diga a jornalista Déborah Rajão, da Rádio Inconfidência de Belo Horizonte: "Como conceicionense, sinto uma grande tristeza ao ver nosso município novamente invadido pelos exploradores, com a conivência do Estado. Temos uma população acuada, a cidade perdeu suas características. Se tivesse uma varinha mágica, retiraria dali a exploração de minério para preservar para sempre nossas serras, nossas águas e demais riquezas ambientais."
 
A pequena Conceição está mesmo em uma situação complicada: coberta de poeira, ruas de pedra (como todas as cidades históricas) esburacadas e os casarões coloniais em petição de miséria, a começar pela sede da Prefeitura e a igreja matriz. A delegacia teve de ser desativada e os presos transferidos para outras cidades: ameaça desabar de tanta rachadura. De fato, caminhões pesados, picapes cabine dupla e vans da Anglo promovem um trança-trança sem parar pela cidade. Mas não se deve atribuir todos os males à mineradora. Afinal, esta cidade teve sete prefeitos em apenas três anos. E o motivo é o de sempre: a corrupção endêmica da política brasileira.
 
Política à parte, o futuro é de ouro e a fortuna chegou, como mostra a vereadora Flávia Magalhães Costa (PMDB): a receita do município era de R$ 13 milhões/ano antes da chegada da mineradora e suas terceirizadas. No ano passado, em função do ISS, dobrou para R$ 26 milhões; e a previsão para este ano é de R$ 34 milhões. A partir da exploração do minério, a Anglo começará a pagar também royalties de 2%. A receita subirá para mais de R$ 200 milhões/ano. E pode ser muito mais, caso o Congresso aprove um projeto de lei do ex-prefeito e ex-deputado federal José Fernando Aparecido de Oliveira, que eleva esses royalties para 4%. 
 
Nunca circulou tanto dinheiro pela região, embora tenha de ser administrado pela Prefeitura. Como diz Flávia Costa, a eleição deste ano "será a mais importante da vida de Conceição". Aí não custa reza brava, sal grosso e ramo de arruda: os eleitores erraram feio em suas últimas escolhas.
 
Longa, vagarosa viagem
As obras do mineroduto, a cargo da Camargo Correa, estão bem avançadas e passam por 32 municípios (25 mineiros e sete fluminenses). A polpa do minério será transportada por uma tubulação de 24 a 26 polegadas, instalada em valas e coberta por terra.
 
Funciona assim: uma estação de bombas dará o primeiro empurrão em Conceição do Mato Dentro; outra em Santo Antônio do Grama (MG) dará o segundo para a carga atravessar a Serra da Mantiqueira. E a Estação de Válvulas (Tombos, MG), reduzirá a velocidade na descida da serra. Tudo isso a sete quilômetros por hora (média), em uma viagem de pouco mais de três dias.
 
No superporto do Açu volta ao que era antes: 51% do empresário Eike Batista e 49% da Anglo American. Ali os investimentos serão de US$ 40 bilhões e Batista sonha alto, como sempre: em uma área de 90 quilômetros quadrados, devem ser instaladas também duas siderúrgicas, um estaleiro, indústria de automóveis e empresas de logística para o petróleo, na fase do pré-sal. 
 
A resistência mineira
Apesar do apoio do governo de Minas (gestão Aécio Neves) ao projeto, muitos moradores não se conformam e divulgam pareceres com todos os impactos negativos. Um deles, de posse da própria Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas, revela: "Um dos impactos mais significativos sobre os recursos hídricos superficiais é a captação de água nova no rio do Peixe, no município de Dom Joaquim. A água será utilizada no processo de beneficiamento do minério e para a condução da polpa no mineroduto, correspondendo a uma vazão total de 2.500m³/h, equivalente ao abastecimento de água para uma cidade de aproximadamente 200 mil habitantes". 
 
Bem, é a resistência de moradores do pequeno município ao poder do Estado, aliado a uma das maiores mineradoras do mundo. E sua arma principal é a internet.
 
A terra dos sete prefeitos. Ou de nenhum
 
José Aparecido de Oliveira nasceu em Conceição do Mato Dentro e se tornou um homem importante na história do País: de jornalista a chefe de gabinete na Prefeitura de Belo Horizonte, deputado federal em dois mandatos (1963-1967/1983-1987), ex-governador do Distrito Federal (1985-1987), ministro da Cultura no governo Sarney e embaixador em Portugal. Um conciliador, chamado de "O amigo Zé". Morreu em 2007 aos 78 anos. Seu filho José Fernando Aparecido de Oliveira herdou a veia: prefeito de Conceição pelo PMDB de 2001 a 2005 e de 2005 a 2006, quando se elegeu deputado federal. Em 2010 se candidatou ao governo de Minas pelo PV e perdeu. Mas, depois de sua passagem pela Prefeitura, veio o dilúvio,  triste sequência:
 
1 –Em 2008, o eleito Breno Costa (DEM) foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral por irregularidades em seu mandato anterior, de 1992 a 1996. Toda a chapa foi cassada. 
2 -Assumiu a presidente da Câmara, Nelma Lúcia Cirino de Carvalho (PP).
3– Em 2010, nova eleição. O filho do prefeito cassado, Breno Júnior, foi eleito, mas nem assumiu, em razão do parentesco, proibido por lei. Assumiu novamente Nelma Carvalho, que se afastou em novembro de 2010 para se candidatar em fevereiro de 2011.
4 – Assumiu o vice-presidente da Câmara, Ildeu Simões.
5 – Antônio José da Silva, eleito presidente da Câmara, assumiu a Prefeitura de janeiro de 2010 a fevereiro de 2011.
6 – Nelma Carvalho foi eleita em fevereiro de 2011 e ficou até janeiro deste ano; foi cassada pela Câmara por improbidade administrativa.
7 – Assumiu o vice, Reinaldo da Silva Guimarães, até a posse do novo prefeito. Mas é só uma hipótese. Afinal, isto é Conceição do Mato Dentro.
 
Sete ou seis prefeitos? Alguns tiram dessa conta o filho de Breno Costa, que nem chegou a assumir. Até agora, não há nenhum candidato declarado à Prefeitura.



Cachoeira do Tabuleiro, terceira maior queda livre do País, considerada a mais bonita pelo Guia 4 Rodas. E também a maior atração da cidade. - Secretaria de Turismo/CMD







É um sonho para qualquer município: há fartura de empregos, só não trabalha quem não quer. De engenheiro a peão, as ofertas se multiplicam. Por isso, os jovens não precisam mais ir embora da cidade. O comércio cresce como nunca e os preços sobem como foguete para imóveis urbanos ou rurais. O aluguel de uma casa boa, de três dormitórios, até 2005 valia um salário e meio (pouco mais de R$ 900). Hoje, varia de R$ 3 mil a R$ 4 mil. E a receita do município vai crescer mais de quinze vezes a partir do ano que vem. 
 
Conceição do Mato Dentro mudou de vida: do sossego das montanhas e de uma penca de lindas cachoeiras, virou centro de exploração de minério. Considerada capital mineira do ecoturismo, com raros ecossistemas que compõem a Serra do Espinhaço (divide as bacias do Rio São Francisco e do Rio Doce), foi reconhecida pela Unesco como Reserva da Biosfera em 2005.
 
Um paraíso na porção oriental da Serra do Cipó, aos pés da Serra da Ferrugem (a 740 metros de altitude), entre o Parque Nacional da Serra do Cipó e o Parque Estadual do Pico do Itambé. É também porta de entrada para o Circuito dos Diamantes na rota da Estrada Real, antes das cidades históricas do Serro e Diamantina. E predestinada: descoberta em 1701pelos bandeirantes, na época do ciclo do ouro, beneficiou-se depois dos diamantes, hoje vive sua fase minério de ferro.
 
 
Sua vocação, o ecoturismo. A maior atração é a cachoeira do Tabuleiro, a mais alta de Minas Gerais e a terceira maior do Brasil, com 273 metros de queda livre. Pelo Guia 4 Rodas, a mais bonita do País. Mas há o temor de que a fase do ecoturismo tenha se encerrado com a mineração, apesar da resistência de novos inconfidentes mineiros, bem mais pragmáticos que seus antecessores do período colonial.
 
A história e a riqueza
 
A nova realidade entusiasma a presidente da Associação Comercial de Conceição do Mato Dentro, Siomara Lages, dona de um dos três postos de gasolina da cidade. "O movimento do comércio melhorou uns 50%, o aluguel está caro, há  investimentos e todo mundo trabalha. A gente sabe que vai rolar muito dinheiro e precisa se preparar", diz Siomara.
 
A Associação Comercial de lá tem 70 sócios. Embora feliz pelo crescimento, a presidente entende o pessoal que resiste ao projeto. "Eles querem mais transparência da empresa. Mas também não se pode atribuir tudo de ruim à mineradora. A prefeitura tem de fazer sua parte, mas não faz".
 
O vice-presidente da Associação Comercial e presidente da Associação Unidos por Conceição, Maninho Pimenta, dono do supermercado Bom D+, não está tão feliz como Siomara. "Não se pode olhar só o bolso. O processo tem todas as condicionantes, ambientais e sociais, temos de ver a parte ética e a humana. Por exemplo: não deveriam ter feito a implantação com explosões sem antes tirar todo o pessoal de lá, mas fizeram. O tráfego intenso destrói as ruas. Antes a Anglo só conversava com a prefeitura, ou seja, com ninguém", diz Maninho.  
 
Flávia pede transparência. Francisco: 'Uai, progresso é isso' - Fotos: Luciano Ornelas
 
Ele culpa também a Companhia de Saneamento de Minas (Copasa), que esburaca tudo e não tapa. Sobre a mineração, é mais pragmático. "Não é que ninguém queira a Anglo, mas ela precisa ser parceira, conversar com a sociedade civil organizada. Queremos consultoria em tempo integral para as empresas, o que não acontece. O programa de turismo não existe e as coisas são muito lentas".
 
A vereadora Flávia Magalhães Costa (PMDB) concorda que a mineradora é bem-vinda, importante, mas precisa cumprir com suas obrigações. "No começo houve uma resistência muito grande. Só que o governo do estado estava comprometido com a empresa. Mesmo com pareceres contrários, o estado autorizava. É por isso que o município não teve tempo de se preparar para os novos tempos. A cidade está estragada. Enfim, por mais que os empresários ganhem, precisam ter um olhar crítico", lamenta Flávia.
 
A vereadora diz que a Anglo ajudou na reforma do Hospital Imaculada Conceição e banca os plantões; acha muito pouco. Reformou também o ginásio São Francisco em parceria com o Senai, Mitra Diocesana de Guanhães e Prefeitura de Conceição. A maioria dos cursos do Senai é voltada para atividades da mineradora. 
 
Muito contra, muito a favor
 
A opinião é geral: todo o projeto da Anglo anda a jato, mas a estrutura da cidade caminha em ritmo de carro de boi, segundo Sandro Heleno Lage da Silva, 29 anos, graduado em Geografia e Análise Ambiental pela UNI-BH, com mestrado em Ciências Ambientais pela UEMG/UFRA. É o secretário do Meio Ambiente de Conceição. "Há um conflito entre o interesse global (estado e empresa) e o município. É simples: queremos arrecadação, riqueza, mas não a qualquer custo", diz o secretário. 
 
Siomara: comércio cresceu 50%. Sandro, o secretário e sua luta. - Fotos: Luciano Ornelas
 
Silva diz ainda que o projeto foi vendido à cidade como mineração sustentável e inovadora. Mas só é inovadora no mineroduto. "Hoje, temos aqui desafios de cidade grande, quando deveriam ter pensado na estrutura da cidade desde 2006. Há um descompasso entre o avanço da mineradora e a capacidade de estruturação da cidade. Embora o estado dê como cumpridas todas as obrigações, a avaliação do município é de que cerca de 60% das condicionantes continuam pendentes ou não foram cumpridas", complementa.
 
Silva dá um exemplo: o reassentamento, uma das condicionantes. Diz que 400 famílias (cerca de 2 mil pessoas) foram realocadas e estão em péssimas condições, com fornecimento bem precário de água e luz. Além disso, a Anglo ficou de construir alojamentos para seus empregados perto do empreendimento. Mas estão todos nos quinze hotéis e pousadas da cidade. Verdade, é muito difícil encontrar um quarto para pousar em Conceição. Isso afasta os turistas e irrita o secretário. "Parece o cenário da colonização, quando a região era dominada pelos índios botocudos. Os bandeirantes colocavam as tribos para guerrear entre si. Assim que se dizimavam, ocupavam as terras".  
 
O motivo da irritação do secretário traz uma imensa felicidade para Francisco Luís Costa, dono da Pousada Rancho Alegre – a pousada do Chico. Aos 60 anos, nunca ganhou tanto dinheiro: fechou um contrato de três anos com a Anglo para hospedar ali seus engenheiros. O restaurante virou sala de treinamento. Para Francisco, a mineração só trouxe benefícios. E tem mais. "Uai, progresso é isso, gente. A empresa trouxe mais qualidade de vida. E, depois, existe montanha atrás de montanha. Só sei que eu vou embora, as montanhas ficam, né?".
 
A Anglo e seu ‘Fale Conosco’ para a cidade
 
Respostas da Anglo American, por meio de sua Assessoria de Imprensa em Belo Horizonte: “É preciso esclarecer que não há movimento forte em Conceição do Mato Dentro contra o empreendimento. Todos os impactos negativos e positivos relacionados com a implantação do Projeto Minas-Rio são identificados e gerenciados pela empresa por meio do Plano de Controle Ambiental (PCA), protocolado junto ao órgão ambiental e parte integrante do processo de licenciamento ambiental. O PCA é composto por 34 programas elaborados com base nos estudos de Impacto Ambiental (EIA). Esses programas contemplam ações relacionadas aos meios físico, biótico e de socioeconomia”.
 
Luciano Ornelas

A empresa informa que faz consultas com as comunidades envolvidas e desenvolve planos de ação para atuar nos impactos. Um deles é o Fale Conosco (0800 941-7100): “O canal permite à empresa reunir evidências sobre os temas mais relevantes para essas comunidades, possibilitando, dessa forma, a proposição de soluções e criação de oportunidades de melhoria”.
 
Sobre problemas pontuais levantados pelo Diário do Comércio (como a ocupação de pousadas e hotéis, o fim do ecoturismo, o estado lastimável da cidade e a lentidão na execução dos programas), a Anglo não respondeu.